No Brasil, 11 milhões de pessoas são analfabetas. São
pessoas de 15 anos ou mais que, pelos critérios do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), não são capazes de ler e escrever nem ao menos
um bilhete simples.
Pelo Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13.005/2014, que
estabelece o que deve ser feito para melhorar a educação no país até 2024,
desde o ensino infantil até a pós-graduação, o Brasil deve zerar a taxa de
analfabetismo até 2024.
No Dia Mundial da Alfabetização, celebrado hoje (8), a
Agência Brasil conversou com professores que trabalham com a alfabetização de
crianças sobre os impactos da pandemia na etapa de ensino e sobre a rotina
desses profissionais.
Sem tempo para cansaço
O professor do terceiro ano do ensino fundamental da Escola
Classe Comunidade de Aprendizagem do Paranoá, no Distrito Federal, Mateus Fernandes
de Oliveira diz que ainda não conseguiu parar para sentir o cansaço que todo o
período de pandemia causou até aqui. Nos últimos 18 meses, ele precisou lidar
com diversas situações, incluindo famílias de estudantes com fome. Foi preciso
que a escola se organizasse para distribuir cestas básicas nas casas dos
alunos.
"A gente estava falando de falta de alimentos em casa.
Famílias passando por necessidades. Não era possível cobrar de uma família que
estava preocupada com alimentação que desenvolvesse um processo de
escolarização em um momento como este. A gente entendeu que a escola pública,
como parte do Estado, tem responsabilidade social. O Estado deveria cuidar das
necessidades básicas, mas não estava dando conta. A escola teve que se
mobilizar".
Enquanto a escola esteve fechada, o professor chegou até
mesmo a visitar os estudantes pessoalmente, levar para eles as atividades e
verificar como estavam. A maior parte dos alunos não tinha acesso à internet e
acabava não participando das aulas online. Agora a escola voltou em um modelo
híbrido, intercalando ensino presencial e ensino remoto.
Oliveira percebe que as desigualdades se acentuaram. Aqueles
alunos que vêm de um contexto familiar em que a leitura faz parte do cotidiano,
em que há livros e revistas em casa, chegam agora ao terceiro ano do
fundamental sabendo ler e escrever. Aqueles que moram em casas com pouca ou
nenhuma leitura, às vezes sem mães e pais alfabetizados, acabam tendo um
conhecimento aquém do esperado para crianças com 8 ou 9 anos de idade.
"Não dá para considerar este ano como só este ano. É
pensar este ano e o seguinte como duas coisas contínuas, porque senão a gente
se exaspera e atropela os processos. Atropela o tempo de entender o que a gente
sentiu e o que está sentindo e de perceber que caminhos pode trilhar. A gente
pode acabar até gerando o contrário do que gostaria. Em princípio, é preciso
ter calma e, ao mesmo tempo, saber que não temos tempo a perder".
Trabalho redobrado
Em Corumbá (MS), foi com cachorrinhas que a professora da
Escola Municipal Almirante Tamandaré, Sonia Bays, conquistou os alunos e
conseguiu medir o que eles haviam aprendido em um ano de pandemia. Ela dá aula
para o primeiro ano do ensino fundamental, estudantes de 6 anos, que estão
começando a ser alfabetizados. "Queria fazer algo mais lúdico. Acredito
que as crianças são penalizadas por estar longe da escola. Criança em fase de
alfabetização precisa da escola", diz.
Diante das dificuldades de ensinar a distância e por meio de
tecnologias, ela gravou um vídeo apresentando os próprios animais de estimação
e pediu que os pais estimulassem os filhos a fazer o mesmo com seus bichinhos.
"Na fase da alfabetização, a criança precisa de oralidade. Ela fala e
depois transfere para o papel. É preciso estimular essa espontaneidade, essa
fala das crianças".
Ao pequeno grupo que estava sendo atendido presencialmente
em horários especiais na escola, ela pediu que desenhasse e, se soubesse,
escrevesse os nomes dos animais. Foi assim que avaliou o que os alunos sabiam e
aquilo em que tinham dificuldades. Com base nas atividades desenvolvidas com as
crianças, surgiu o trabalho Alfabetização e Infância em Tempos de Pandemia,
apresentado em agosto no 5º Congresso Brasileiro de Alfabetização.
A maior parte dos alunos de Sonia está em situação de
vulnerabilidade. Não é raro que as famílias tenham apenas um celular com acesso
limitado à internet. A estratégia muitas vezes, durante mais de um ano de
pandemia, era mandar vídeos por whatsApp, para que os responsáveis baixassem
usando a internet do trabalho e, depois, mostrassem para as crianças.
No ano passado, ela chegou a conhecer os alunos
pessoalmente, antes do fechamento das escolas por causa da pandemia. A turma
desse ano, no entanto, era uma lista com 23 nomes e contatos. Sonia fez questão
de entrar em contato com cada um por ligação e conversar com alunos e famílias.
A logística não foi simples, alguns estudantes precisaram ir para uma área com
wifi aberto, para receber a videochamada.
A escola foi retomando aos poucos o ensino presencial.
Primeiro, apenas uma vez por semana para atender aos alunos que não tinham
acesso a aulas remotas. Agora, a escola voltou às aulas presenciais em esquema
de revezamento, com turmas reduzidas.
"Os professores, cada um de uma série, selecionaram os
conteúdos que seriam prioritários, que seriam essenciais. Não vamos ter como
dar conta de tudo. Estamos focando em leitura e escrita", diz e
acrescenta: "Os alunos não perderam o ano, eles ganharam a vida. Se antes
já tínhamos déficit de aprendizagem, agora também temos, ainda maior. Teremos
que redobrar o trabalho para vencer isso".
Da sala para a tela
Depois de oito anos nas salas de aula no Rio de Janeiro, o
professor Ricardo Fernandes assumiu, em 2019, o cargo de assistente de Gerência
de Alfabetização e Anos Iniciais da Secretaria Municipal de Educação. No ano
passado, com a pandemia, Fernandes passou a gravar aulas e podcasts para os
estudantes da rede municipal, por meio da prefeitura, para garantir a educação
remota. Ele, de repente, passou a alcançar um público muito maior.
"Acaba que você, que está produzindo uma vídeoaula,
você não vira só o professor de uma turma. A sensação que dá é que você vira
professor de muitas turmas. Essa foi uma estratégia muito importante para
muitas crianças que estavam em casa", diz.
Foi preciso, segundo Fernandes, recriar, com tecnologia,
espaços alfabetizadores. Além de o formato ser um desafio, foi preciso também
repensar o conteúdo de alfabetização, incluindo as famílias. "Todas as
vezes que a gente pensa um material agora, a gente pensa que essa família vai
assistir junto, vai ajudar na mediação desse conteúdo. Então as aulas agora são
pensadas na perspectiva mais coletiva. Quem está escutando o que essa criança
fala? Quais as perguntas que essa criança pode fazer para essa pessoa? É esse
processo de uma educação coletiva que traz para a alfabetização um novo
caráter".
O professor conta que, durante a pandemia, as trocas entre
os professores da rede de ensino ajudaram a desenvolver novas estratégias para
chegar aos alunos e também ajudaram os próprios profissionais a não se sentirem
isolados. Fernandes ressalta, no entanto, que mesmo com o esforço, há
estudantes que precisarão de mais atenção. "A gente sabe que existe um
público que historicamente está alijado do contexto de alfabetização e de
educação, e esse contexto foi intensificado com a pandemia".
Estudo encomendado ao Datafolha pela Fundação Lemann, o Itaú
Social e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), divulgado em junho
deste ano, mostra que mais da metade (51%) das crianças em processo de
alfabetização na rede pública brasileira ficaram no mesmo estágio de
aprendizado, ou seja, não aprenderam nada de novo durante a pandemia. Entre os
estudantes brancos, 57% teriam aprendido coisas novas, segundo a percepção dos
responsáveis. Entre os estudantes negros, esse índice cai para 41%.
Como responsável pela produção de materiais para a
alfabetização, Fernandes diz que um dos objetivos é que os estudantes se sintam
representados. "Não se pode alfabetizar sem olhar para a favela, sem olhar
para o bairro desse aluno, sem olhar para o ritmo desse aluno, sem entender que
é um sujeito que aprende quando está em casa, quando está em contato com outros
sujeitos. Não se pode negar os aspectos culturais da cidade", defende.
Unindo forças
Para a presidente da União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação (Undime) no Paraná, Marcia Baldini, é necessária a união
de forças de gestores, Poder Público, professores e familiares para garantir o
ensino e a aprendizagem das crianças brasileiras. Marcia, que coordena o Grupo
de Trabalho sobre Alfabetização da Undime, diz que a pandemia causou um
prejuízo muito grande à alfabetização.
"É necessário ter políticas públicas nesse sentido,
voltar o olhar para isso, porque se não tivermos nas nossas escolas um olhar
focado em relação ao professor alfabetizador, a formação continuada, condições
de trabalho, a conscientização das famílias para que esse aluno possa aprender,
os prejuízos serão imensuráveis nos anos seguintes na educação fundamental, no
ensino médio e até mesmo na educação superior, em que vamos formar os famosos
analfabetos funcionais".
Marcia explica que a alfabetização exige a mediação do
professor. Isso porque gestos, movimentos labiais e materiais didáticos têm
impacto na aprendizagem. Esses elementos acabam se perdendo no ensino remoto.
"Os alunos que estão retornando [para o ensino presencial] apresentam
muitas dificuldades, há alunos que esqueceram até mesmo como se escreve o
nome". Os dados mostram muito claramente, nos primeiros anos da educação
infantil e do ensino fundamental, prejuízos sociais, econômicos, educacionais,
que vão se estender ao longo da vida.
Retomada
Neste semestre, as escolas estão, aos poucos, com o avanço
da vacinação no país, retomando as aulas presenciais, ainda que mescladas ao
ensino remoto, no chamado ensino híbrido. Será preciso ainda, segundo a oficial
de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil,
Julia Ribeiro, localizar os estudantes que não conseguiram assistir às aulas na
pandemia.
"Fazer busca ativa desses meninos e meninas que não
tiveram condição de se manter aprendendo durante a pandemia. Os dados apontam
isso, a pandemia atingiu meninos e meninas que já eram mais vulneráveis. Quem
já estava fora da escola ficou cada vez mais longe, e quem estava na escola,
mas sem condições de aprender em casa, acabou sendo excluído desse
direito".
Pesquisa divulgada este ano pelo Unicef mostra que o número
de crianças e adolescentes sem acesso à educação no Brasil saltou de 1,1 milhão
em 2019 para 5,1 milhões em 2020. Desses, 41% têm entre 6 e 10 anos, faixa
etária em que ocorre a alfabetização.
"A alfabetização é fundamental para a manutenção desse
menino ou menina na escola. É nessa faixa etária que é criado maior vínculo,
inclusive com a escola. Ciclos de alfabetização que são incompletos podem
acarretar reprovações e abandonos escolares nas demais etapas, nas etapas
subsequentes", ressalta.
Para Júlia, sobretudo na pandemia, quando as crianças
tiveram aprendizagens diferentes, todas as etapas escolares devem se
comprometer a garantir o aprendizado dos estudantes, garantir que aprendam a
ler e escrever.
"A gente precisa de uma corresponsabilização de todo o
sistema educacional no sentido de garantir que cada criança e adolescente,
independentemente de idade, tenha as oportunidades necessárias que lhe garantam
alfabetização completa, que lhe possibilite que esses meninos e meninas tenham
maior liberdade, maior autonomia, que estejam incluídos na sociedade, que
tenham mais acesso a oportunidades profissionais e pessoais, que tenham acesso
a seus direitos".
Ministério da Educação
No dia 30 de junho deste ano, o MEC lançou o Sistema Online
de Recursos para a Alfabetização, apelidado de Sora. A plataforma foi
desenvolvida para apoiar professores e trabalhadores da educação no
planejamento e execução de atividades de ensino para alunos que estão
aprendendo a ler e escrever.
O sistema traz estratégias de ensino ou como o conteúdo pode
ser ensinado. Elenca também propostas de atividades a serem aplicadas em salas
de aula, ferramentas que são utilizadas na consolidação da apreensão dos
conteúdos.
A plataforma disponibiliza recursos adicionais diversos que auxiliam os professores. Podem ser acessadas, por exemplo, imagens que ajudam a fixar as letras do alfabeto. Será incluído também um módulo com sugestões de avaliações para verificar a aprendizagem do conteúdo.
Fonte: Agência Brasil
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